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A Inovação Tributária: “Funrural 2.0” e os Desafios para o Setor Agropecuário no Estado de São Paulo

Toda “inovação” tributária certamente é acompanhada de frustração por parte do empresariado nacional, que continua a produzir riquezas para o Estado, gerar empregos, renda e proporcionar uma vida mais digna aos seus funcionários e à população em geral. Contudo, como diria nosso eterno maestro Tom Jobim, “o Brasil não é para amadores” – e de fato não é.

 

Talvez, quando o governo se entusiasma em propor uma reforma tributária ou uma simples modificação em pontos específicos da Lei Tributária, argumentando que mudará toda a sistemática de cobrança de impostos no Brasil com o único objetivo de simplificar a tributação para as empresas e para todos os brasileiros, facilitando o crescimento econômico do país, seja prudente duvidar. Interesses de toda ordem estão e sempre estarão envolvidos. Ninguém acha que seja fácil, mas há expectativa de que o Brasil mostre neste momento mais sabedoria e tenha uma dose de sorte.

Infelizmente, o Governo do Estado de São Paulo não agiu com sabedoria. Em 24 de abril, o Governador anunciou a liberação de R$ 600 milhões em créditos acumulados de ICMS, apenas cumprindo sua obrigação. Ao publicar o Decreto n°68.692, de 5 de julho de 2024, que altera o Regulamento do ICMS, o Estado, porém, retrocedeu.

Apesar das declarações de que a liberação de créditos acumulados de ICMS moderniza a administração tributária e impulsiona a economia, a realidade é outra. O Secretário de Fazenda e Planejamento afirmou que “essa medida reconhece a importância do agro paulista e estimula investimentos, crescimento do mercado interno e geração de empregos”. No entanto, a prática tem mostrado que essas alterações apenas complicam a compensação de créditos, prejudicando as empresas. Seja prudente e desconfie.

O desafio surge quando o crédito acumulado de impostos aumenta continuamente e não pode ser compensado, tornando a empresa credora da Fazenda Estadual. Muitas empresas apuram saldos credores mensalmente, mas não conseguem compensá-los devido à natureza de suas atividades. Esses créditos fiscais continuam a crescer tão indefinidamente, como vergonhoso.

Recursos que saíram do caixa das empresas deveriam retornar via compensação, mas isso não acontece. O fisco não devolve esses valores às empresas. Seja prudente e desconfie sempre.

O agronegócio do Estado de São Paulo é um dos pilares da economia estadual e nacional, desempenhando um papel crucial na produção agrícola, pecuária e nas exportações brasileiras. Reconhecido por sua diversificação e alta produtividade, o setor contribui com 15% do PIB estadual e 56% da produção nacional de cana-de-açúcar. Além disso, São Paulo é responsável por 84% da produção brasileira de laranja, consolidando-se como o maior produtor de suco de laranja do mundo. Em 2023, as exportações do agronegócio paulista somaram 22 bilhões de dólares, representando aproximadamente 14,7% das exportações nacionais do setor. Os principais produtos exportados incluem açúcar, suco de laranja, carne bovina, café e soja.

Apesar do sucesso, o setor enfrenta desafios significativos, como as constantes mudanças nas regulamentações tributárias. A questão dos créditos acumulados de ICMS exemplifica como a carga tributária pode impactar negativamente as empresas, criando dificuldades para a compensação e afetando o fluxo de caixa, o que prejudica a produtividade do setor. Em nenhum lugar do mundo se exporta imposto, mas o Estado de São Paulo o faz.

Ao publicar o Decreto n°68.692, de 5 de julho de 2024, que altera o RICMS, o Estado de São Paulo retrocedeu significativamente. Diferentemente do que foi anunciado sobre a “modernização da administração tributária” e “impulso à economia paulista”, o secretário Kinoshita afirmou que o governo reconhece a importância do agro paulista, estimulando investimentos, crescimento do mercado interno e geração de empregos. Na prática, essa medida não reflete reconhecimento algum e revela uma profunda desconexão com o setor agropecuário.

A alteração do Artigo 4° revela uma grande incoerência com a realidade do setor da bovinocultura. Vejamos:

“§ 4º – Não perde a condição de produtor rural a pessoa ou sociedade que promova a compra e venda de até 10 (dez) cabeças de gado bovino ou bufalino, em prazo inferior aos previstos no item 4 do § 3º, no período de 1º de janeiro a 31 de dezembro de cada ano.” O que é isso…?

É isso mesmo, o Estado de São Paulo iguala pequenos, médios e grandes pecuaristas com base em um único critério com personalidade desagregada, que não reflete a realidade da pecuária nacional: curiosamente, ter apenas 10 bois (quanto custa um bovino? na cria, recria ou engorda) não importa já que é o suficiente para essa classificação tributária “passa moleque”.

Duvide sempre! A alteração no § 4º é apenas o início da ofensiva do Governo do Estado de São Paulo contra a indústria da carne e outras – falo pela carne. Ao modificar o Decreto n° 68.692, de 5 de julho de 2024, o Estado efetivamente retrocedeu, reavivando antigos conflitos entre pecuaristas e indústrias frigoríficas sem se preocupar minimamente com a harmonia já estabelecida há anos entre estes dois elos.

Costumo afirmar que pertencemos a uma nova geração. Não temos o direito de repetir os erros do passado. É crucial aprendermos com os desacertos anteriores, como o Funrural, e avançarmos com base em práticas mais justas e realistas, especialmente no setor pecuário. A legislação deve refletir a complexidade e a diversidade da realidade atual, garantindo um tratamento adequado e equitativo para todos os elos da cadeia produtiva.

O Estado de São Paulo, de forma ruidosa publicou o anexo III, artigo 49, que trata dos créditos outorgados, determinou que operações internas de produção própria, com não incidência ou isenção do imposto, podem optar por um crédito de 2,4% do valor das saídas (Convênio ICMS 190/17). O benefício, conforme o § 1º, exige que o adquirente ressarça o produtor rural, conforme regulamentação da Secretaria da Fazenda e Planejamento.

Em essência, o Estado transferiu a competência tributária para os frigoríficos, responsabilizando-os pela arrecadação e ressarcimento imediato dos créditos tributários aos pecuaristas, mesmo que estes não emitam nota fiscal eletrônica – e, de fato, possam não querer fazê-lo, possivelmente a motivação desta medida, objeto da nossa reflexão.

Como exigido de qualquer atividade produtiva, essa transferência é absurda e problemática, pois coloca a indústria no papel de agente arrecadador e fiscalizador, sem garantia de ressarcimento e, acima de tudo, inconstitucional. Em resumo, os frigoríficos, com este Decreto, se tornaram um braço financeiro do Estado de São Paulo.  Uma Estatal. Inaceitável…

Por fim, como mencionado, trata-se de uma questão constitucional, o que significa que estamos enfrentando novamente reveses do passado que ainda não foram resolvidos e que já estão gerando novos desafios. Os pecuaristas, de fato, demonstram uma criatividade notável!

Recordar é viver:

A corte (STF) definiu, por maioria de votos, que incide o tributo. Agora a discussão é se os valores podem ser cobrados das empresas ou devem ser cobrados dos produtores rurais pessoa física, o que, na prática, pode tornar a cobrança quase inviável. Os contribuintes pedem a inconstitucionalidade da chamada sub-rogação, que é a retenção do tributo na venda feita por produtor rural a pessoa jurídica (ADI 4.395).

 

Essa geração não tem o direito de errar, recorrendo a soluções casuísticas do passado que favorecem apenas um elo da cadeia em detrimento das demais. É fundamental que busquemos abordagens justas e equilibradas, onde todos os envolvidos no processo produtivo sejam tratados de forma equitativa e sustentável. Somente assim conseguiremos construir um futuro mais sólido e harmonioso para o setor.

“Estão faltando grandes homens no Brasil”, Embaixador Marcos Azambuja

“Estão faltando grandes, autênticas e legítimas lideranças no agronegócio”, Otávio Cançado

Bacharel em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB)

MBA – pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP)

MBA – em Liderança de Pessoas pela Fundação Dom Cabral (FDC)